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Um menino do interior de Minas

Carlos Ribeiro Justiniano Chagas nasceu aos 9 de julho de 1878, na Fazenda Bom Retiro, a cerca de vinte quilômetros da cidade de Oliveira, Minas Gerais.

No século XVIII, a busca pelo ouro abriu muitas veredas no oeste mineiro. A “nova picada de Goiás” passava pelo local onde, à beira do rio Maracanã, iria se estabelecer Oliveira, em um cruzamento de vários caminhos. A origem do nome é atribuída ao português que, por volta de 1730, instalou uma pousada para descanso de tropeiros e viajantes. Duas décadas depois, os que ficaram na região erigiram um cruzeiro e, mais tarde, a capela de Nossa Senhora de Oliveira. Foi o núcleo do povoado que, em 1860, transformou-se em cidade.

Construída na segunda metade do século XVIII, a Fazenda Bom Retiro foi uma das primeiras propriedades estabelecidas em Oliveira, anterior ao povoado que daria origem à cidade. Com cerca de 7.700 hectares de extensão, tinha como atividades principais a pecuária de corte e leiteira e o cultivo de cana-de-açúcar e café. Possuía ainda plantações de milho e feijão e grande variedade de árvores frutíferas.

O bisavô de Carlos Chagas, Francisco das Chagas de Andrade, era natural dos Açores e chegou à região em meados do século XVIII. Dos muitos filhos que teve com Mariana Josefa Lobato, a primogênita, Romualda Chagas de Andrade, casou-se com um tenente português, Serafim Justiniano de Figueiredo. Tiveram muitos filhos, entre os quais José Justiniano Chagas, que seria pai de Carlos Chagas. A primeira esposa de José Justiniano faleceu precocemente e ele casou-se novamente, com Mariana Candida Ribeiro de Castro, cujo pai, Carlos Ribeiro de Castro, possuía fazendas na região, entre as quais a Bom Retiro.

Carlos Chagas foi o primeiro dos quatro filhos do casal. Tinha 4 anos quando o pai faleceu. A mãe assumiu, então, a administração do cultivo do café na Fazenda Bom Retiro e também na Fazenda Bela Vista, que José Justiniano havia adquirido nas proximidades de Juiz de Fora.

A convivência do menino com seus tios maternos, Cícero, Olegário e Carlos – o “tio Calito” era médico formado no Rio de Janeiro e dono de uma casa de saúde em Oliveira –, fez com que ele manifestasse, desde cedo, vontade de avançar nos estudos, com particular interesse pela medicina. Aos 8 anos, já alfabetizado, foi matriculado no Colégio São Luís, dirigido por jesuítas em Itu, interior de São Paulo. Fundado em maio de 1867, foi o segundo colégio criado por essa ordem religiosa no país – o primeiro havia sido fundado em Santa Catarina. Era um dos mais importantes estabelecimentos de ensino do Brasil no século XIX.

A rígida disciplina do internato não agradou ao menino. Em maio de 1888, ao ter notícias de que os escravos recém-libertados estariam depredando fazendas, fugiu para ir ao encontro de sua mãe. A indisciplina foi punida com a expulsão e Carlos foi transferido para o Ginásio São Francisco, em São João del-Rei, Minas Gerais.

Fundado pelo padre João Batista do Sacramento (1852-1907), o Ginásio São Francisco era uma renomada instituição de ensino e seu corpo docente reunia importantes nomes da intelectualidade são-joanense. Professor de latim e de história natural, o padre Sacramento foi uma figura marcante na formação do menino vindo de Oliveira.

Concluídos os estudos, Mariana decidiu que seu filho deveria formar-se em engenharia. Em 1895, Chagas ingressou no curso preparatório da Escola de Minas de Ouro Preto, tradicional centro de ensino superior. Os excessos da vida boêmia, contudo, custaram-lhe a reprovação nos exames e o retorno a Oliveira. Com a ajuda do tio médico e do avô, o jovem venceu a resistência da mãe e mudou-se para o Rio de Janeiro, capital federal, para estudar medicina.

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Estudos médicos na capital do progresso

Em abril de 1897, Carlos Chagas matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A capital federal vivia dias de grande efervescência. A proximidade do novo século intensificava a crença em um novo tempo, onde o Brasil, guiado pela ciência, se tornaria, enfim, uma nação “civilizada”. A “vida vertiginosa” da cidade, para usar a expressão do cronista João do Rio, fazia-se sentir no cotidiano, com a eletricidade, o telégrafo, o telefone e as ferrovias.

O ambiente de renovação ocorria também na Faculdade de Medicina, que buscava acompanhar as teorias de Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Koch (1843-1910) sobre a ação dos microorganismos como causas de doenças e dominar os novos recursos, como soros e vacinas, para combatê-las. Desde a década de 1880, vários professores da Faculdade defendiam que o ensino médico deveria incorporar os preceitos e práticas da medicina experimental, ou seja, da pesquisa no laboratório visando à produção de novos conhecimentos.

Era um período de proeminência internacional também da chamada medicina tropical. Desde a conquista e exploração de outros continentes, os europeus preocupavam-se com as doenças dos trópicos. Naquela virada de século, a “medicina dos climas quentes” vivia um momento de particular desenvolvimento, com as descobertas sobre o papel dos insetos na transmissão de enfermidades. Em 1898-1899, médicos ingleses e italianos estabeleceram que a malária era transmitida não por “miasmas”, mas por mosquitos. Em 1900, os norte-americanos comprovaram o mesmo para a febre amarela. O mundo viveria, a partir de então, uma grande confiança na vitória sobre estes e outros ‘males’. Além da teoria do inseto vetor, a preocupação dos europeus em enfrentar as doenças que ocorriam em suas colônias levou à criação, em 1899, na Inglaterra, das primeiras escolas dedicadas ao ensino e ao estudo da medicina tropical. Os conhecimentos e práticas da nova especialidade seriam decisivos na formação e na vida profissional de Chagas.

Dois professores marcaram em especial o seu curso médico, realizado entre 1897 e 1903. Com Miguel Couto (1865-1934), de quem se tornaria amigo pessoal, aprendeu os métodos e princípios da experimentação, visando ao diagnóstico e ao estudo clínico das doenças que compunham a nosologia brasileira, bem como a concepção de que a clínica médica deveria ser renovada pelos saberes e técnicas propiciados pelo laboratório. Com Francisco Fajardo (1864-1906), pioneiro da microbiologia no Brasil e dos estudos sobre o parasito e o vetor da malária, tomou contato com os temas da medicina tropical. Em seu laboratório, na Santa Casa de Misericórdia, Chagas iniciou-se nas pesquisas sobre essa doença.

Com o objetivo de elaborar sua tese de doutoramento, pré-requisito para a conclusão do curso médico, dirigiu-se em 1902 ao Instituto Soroterápico Federal (também conhecido como Instituto de Manguinhos), criado dois anos antes para fabricar soro e vacina contra a peste bubônica; tendo irrompido em Santos em 1899, a doença ameaçava a capital federal. Oswaldo Cruz (1872-1917), jovem microbiologista treinado no Instituto Pasteur de Paris, havia sido designado para comandar os trabalhos técnicos de Manguinhos. Em fins de 1902, assumiria a direção integral do instituto, que, em 1908, passaria a levar seu nome. Decidido a torná-lo um renomado centro de medicina experimental, Oswaldo Cruz costumava receber estudantes de medicina interessados em desenvolver ali suas pesquisas. Sob sua orientação, Chagas passou a frequentar o Soroterápico diariamente. Em maio de 1903, defendeu sua tese, sobre os aspectos hematológicos da malária.

Apesar do convite feito por Oswaldo Cruz para integrar a equipe de pesquisadores de Manguinhos, optou pela clínica. Em março de 1904, foi nomeado médico da Diretoria Geral de Saúde Pública e passou a trabalhar no Hospital de Isolamento Paula Cândido, em Jurujuba, Niterói. Ao mesmo tempo, instalou seu consultório particular no centro do Rio, na rua da Assembléia. Naquele mesmo ano casou-se com Iris Lobo, filha do senador mineiro Fernando Lobo Leite Pereira (1851-1918), e que conhecera por intermédio de Miguel Couto.

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Combatendo a malária

No início do século XX, a entomologia médica – estudo dos insetos transmissores de doenças – estava em grande desenvolvimento em todo o mundo. No Instituto de Manguinhos, vários pesquisadores dedicavam-se a investigações nesse campo. Um fator importante para impulsioná-las eram as expedições feitas a várias regiões do Brasil. Além de proporcionar a coleta de materiais para estudo (como novas espécies de mosquitos), tais viagens serviam para experimentar métodos de profilaxia, pois entre seus objetivos estava o de debelar epidemias (especialmente de malária) que ocorriam quando obras de modernização, como a construção de ferrovias, adentravam matas e regiões não habitadas.

Em 1905, a Companhia Docas de Santos solicitou a Oswaldo Cruz, diretor geral de Saúde Pública, providências para combater uma epidemia de malária entre os trabalhadores que construíam uma hidrelétrica em Itatinga, São Paulo. Carlos Chagas foi comissionado para coordenar a campanha.

No início de 1907, iniciou missão semelhante com Arthur Neiva (1880-1943), também pesquisador de Manguinhos, em Xerém, Baixada Fluminense, onde a doença prejudicava a captação de água para a capital federal, realizada pela Inspetoria Geral de Obras Públicas.

Em junho, Chagas partiu para o norte de Minas Gerais, em uma terceira campanha contra a malária, junto com Belisário Penna (1868-1939), também médico da Diretoria Geral de Saúde Pública. Uma epidemia paralisava as obras de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil no trecho entre Corinto e Pirapora. Desde sua inauguração em 1855, essa ferrovia era vista como um dos principais meios de integração do território nacional, daí o projeto de estendê-la da capital federal a Belém do Pará. Em 1904, havia sido inaugurada a estação de Curvelo e, dois anos depois, a estação de Corinto. No verão de 1906-1907, contudo, as “febres” paralisaram as obras na ponte do Rio Bicudo, impedindo a construção do ramal para Pirapora.

Na época, a profilaxia da malária, testada por pesquisadores em todo o mundo, abrangia diversas estratégias. O combate aos vetores era feito mediante a aplicação de substâncias tóxicas (como o petróleo) nas coleções de água, visando a destruir as larvas dos insetos que ali se reproduziam. Outra medida era a proteção dos indivíduos com cortinados nas camas e telas nas portas e janelas das casas. O ataque ao parasito, por sua vez, dava-se pela ingestão de quinina (produto extraído da casca da árvore quina), tanto para prevenir quanto para tratar a infecção.

Já desde a primeira campanha, Chagas observou que, depois de picarem suas ‘vítimas’ no interior das habitações, os mosquitos adquiriam um peso que os fazia permanecer ali por longo tempo, digerindo o sangue e maturando os ovos. Por isso, preconizou que eles deveriam ser atacados não apenas em sua fase larval, aquática, mas sobretudo em sua fase adulta, alada, nesses ambientes, mediante aplicação de substâncias inseticidas (como enxofre ou piretro). Esse método, décadas mais tarde utilizado em larga escala, com o advento do DDT, foi aplicado em Itatinga em conjugação com outras medidas, como a quininização. A contribuição de Chagas para os estudos e a profilaxia da malária foi reconhecida no I Congresso Internacional de Paludismo, realizado em Roma em 1925.

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A descoberta

Em Lassance, norte de Minas Gerais, enquanto coordenava as atividades de combate à malária, Carlos Chagas montou um pequeno laboratório em um vagão de trem da Estrada de Ferro Central do Brasil. Motivado por seu crescente interesse pela entomologia e pela protozoologia, ele costumava coletar e examinar espécies da fauna brasileira.

Em 1908, Chagas identificou, no sangue de um sagui muito comum na região de Lassance, uma nova espécie de tripanossoma, que batizou de Trypanosoma minasense. Era um parasito natural, não patogênico, do macaco. A vinda, em meados daquele ano, de pesquisadores alemães – como Stanislas von Prowazek (1875-1915), discípulo do renomado Fritz Schaudinn (1871-1906), descobridor do agente causal da sífilis – para estágio no Instituto Oswaldo Cruz colocou os investigadores brasileiros a par das novidades no estudo dos tripanossomas na Europa e foi decisiva para as pesquisas realizadas por Chagas neste terreno. O estudo desse tipo de protozoário estava na ordem do dia da medicina tropical européia, desde que se demonstrara que, além de doenças animais, eles também causavam enfermidades humanas, como a tripanossomíase africana ou doença do sono.

Ainda em 1908, em viagem a Pirapora, Chagas e Belisário Penna pernoitaram em um rancho. Ali, Penna capturou exemplares de um inseto sugador de sangue, sobre o qual lhes havia falado Cornélio Homem de Cantarino Mota (1869-1959), chefe dos engenheiros da Estrada de Ferro Central do Brasil. Era conhecido popularmente como barbeiro, pelo fato de picar suas vítimas preferencialmente no rosto, enquanto dormem. Como descreveu Chagas, proliferava "nas habitações pobres, nas choupanas de paredes não rebocadas e cobertas de capim”, atacando o homem à noite, “depois de apagadas as luzes, e ocultando-se, durante o dia, nas frestas das paredes, nas coberturas das casas, em todos os esconderijos”.

Sabendo da importância de insetos que se alimentam de sangue como transmissores de doenças, Chagas examinou alguns barbeiros em seu vagão-laboratório e encontrou, em seu intestino, um protozoário em forma de tripanossoma. Pensou que poderia tratar-se de um parasito do inseto ou um tripanossoma de vertebrados. Neste último caso, poderia ser o próprio T. minasense identificado nos macacos da região.

Por não dispor, em Lassance, de condições laboratoriais para avançar na pesquisa, Chagas enviou barbeiros a Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Depois de colocá-los para picar macacos criados em laboratório, este percebeu que alguns animais haviam adoecido e apresentavam tripanossomas no sangue. Chagas foi informado dos resultados das experiências. Voltando a Manguinhos, concluiu que o protozoário não era o minasense, mas uma nova espécie de tripanossoma, a qual batizou de Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz. A nota anunciando a descoberta do parasito foi redigida em 17 de dezembro de 1908 e publicada em 1909 na revista alemã Archiv für Schiffs-und Tropen-Hygiene

Depois de estudar o ciclo evolutivo do T. cruzi, Chagas retornou a Lassance para averiguar se este era um parasito patogênico para o homem. Realizou exames de sangue nos moradores da região. Depois de encontrar o protozoário em um gato, evidenciando um reservatório doméstico do parasito, identificou, finalmente, no dia 14 de abril de 1909, o T. cruzi no sangue de uma criança febril. Em nota enviada ao Brazil-Medico, uma das principais revistas médicas do país, anunciou a descoberta que o consagraria. Berenice, uma menina de 2 anos, era o primeiro caso do que seria considerado uma nova doença humana.

O fato foi divulgado também entre a comunidade científica internacional, mediante publicações na Alemanha e na França. Oswaldo Cruz anunciou pessoalmente o feito de seu discípulo no dia 22 de abril, na Academia Nacional de Medicina.

Em 26 de outubro de 1910, Chagas foi recebido como membro dessa prestigiosa associação médico-científica, que abriu exceção a suas regras admitindo um novo titular sem que houvesse vaga disponível. Apresentou, então, suas pesquisas sobre a nova tripanossomíase, que, por sugestão de Miguel Couto, passou a ser chamada também de “moléstia de Chagas”.

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Estudos sobre a doença de Chagas

A doença de Chagas tornou-se um dos principais temas na agenda de investigação do Instituto Oswaldo Cruz. Com a colaboração de outros pesquisadores, Carlos Chagas dedicou-se a estudá-la em seus vários aspectos: as características biológicas do vetor e do parasito, os reservatórios do Trypanosoma cruzi, as manifestações clínicas e a evolução da doença, os métodos de diagnóstico e possíveis formas de terapêutica.

Seus trabalhos sobre a doença foram apresentados nas principais associações médicas do país. Em 1911, na Exposição Internacional de Higiene e Demografia, em Dresden, Alemanha, a nova enfermidade despertou grande interesse. Em 1912, Chagas recebeu do Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo o Prêmio Schaudinn de protozoologia. No ano seguinte, foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina. Na época, o governo federal garantiu recursos para a construção de hospitais, em Lassance e em Manguinhos, de hospitais destinados a investigar a doença.

Segundo os primeiros estudos de Chagas, o período inicial da infecção pelo T. cruzi tinha como principais sintomas febre, aumento do fígado, do baço e dos gânglios, e inchaço no rosto indicativo de comprometimento tireoidiano. Chagas dividiu a fase aguda em duas formas: casos com graves distúrbios cerebrais (geralmente crianças com menos de 1 ano, que quase nunca sobreviviam) e casos mais frequentes, sem tais manifestações, que logo evoluíam para o estado crônico.

Na fase crônica, haveria distúrbios endócrinos, cardíacos e neurológicos. Nesse momento inicial das investigações, Chagas considerou como sinal clínico mais característico da doença a hipertrofia da tireóide (bócio), expressa em aumento de volume do pescoço. Para ele, nas localidades onde havia a tripanossomíase, o bócio endêmico não era o mesmo que ocorria na Europa (que muitos já atribuíam à carência de iodo), mas o resultado da ação do T. cruzi na tireóide. Por isso a designação “tireoidite parasitária”, proposta pelo médico Miguel Pereira (1871-1918).

Desde os primeiros estudos, Chagas afirmou que a nova enfermidade, que atingia os moradores de casas infestadas por barbeiros a partir das primeiras idades, produzia danos permanentes em seu desenvolvimento físico e mental; tratava-se, portanto, de uma endemia rural que prejudicava seriamente a modernização do país e deveria ser firmemente combatida pelos poderes públicos. Num momento em que o Brasil comemorava o progresso em sua capital litorânea recém-reformada, a ciência de Manguinhos revelava um ‘outro país’, marcado pela pobreza e pelo abandono: o Brasil do interior.

A nova moléstia tropical, assumindo contornos particulares como endemia dos sertões, passou a ser vista como ‘doença do Brasil’, em vários sentidos além do geográfico: símbolo de um ‘país doente’ e da ciência que indicaria os meios para sua ‘redenção’.

Em meados da década de 1910, pesquisadores na Argentina questionaram as hipóteses de Chagas sobre as formas crônicas, afirmando que o bócio endêmico não tinha nenhuma relação com a tripanossomíase. Chagas reviu, então, alguns aspectos de sua concepção inicial. Mesmo mantendo a convicção sobre a etiologia parasitária do bócio endêmico, passou a tratá-lo como questão sujeita a discussão; ao mesmo tempo, reforçou a importância dos elementos cardíacos.

Depois de sua morte, suas hipóteses sobre os problemas endócrinos e neurológicos atribuídos à infecção pelo T. cruzi foram abandonadas, mas a forma cardíaca crônica foi amplamente confirmada. Distúrbios do trato digestivo, assinalados por Chagas sem maior aprofundamento, seriam também comprovados posteriormente.

Atualmente, considera-se que a doença de Chagas, em sua fase crônica, abrange a forma indeterminada (em que não se manifestam sintomas), a forma cardíaca e a forma digestiva.

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A polêmica

A partir de 1915, pesquisadores na Argentina, liderados pelo microbiologista austríaco Rudolf Kraus (1868-1932), puseram em dúvida alguns aspectos centrais da definição clínica da doença de Chagas. Para eles, as manifestações tireoidianas e neurológicas atribuídas a essa enfermidade em sua fase crônica corresponderiam, na realidade, ao bócio e ao cretinismo endêmicos tal como havia na Europa; ou seja, tratava-se de endemias distintas e sobrepostas.

Tal alegação gerou dúvidas sobre a extensão da tripanossomíase e, consequentemente, sobre sua importância médico-social, pois era a partir do bócio – muito comum em Minas e outras regiões do interior do Brasil – que se estimava a vasta distribuição da endemia no país. Debatendo com Kraus em congresso médico realizado em Buenos Aires, em 1916, Chagas reiterou que a doença por ele descoberta não se restringia aos aspectos tireoidianos; enfatizando a importância dos distúrbios cardíacos, passou a tratar a questão do bócio endêmico como aberta a discussões.

Em 1919, alguns pesquisadores brasileiros retomaram as contestações feitas na Argentina. Questionaram a definição clínica e, sobretudo, a importância social da tripanossomíase americana. A polêmica intensificou-se em fins de 1922 e no decorrer de 1923, na Academia Nacional de Medicina. Liderados por Julio Afrânio Peixoto (1876-1947), literato e catedrático de higiene da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, os críticos de Chagas afirmaram que aquela era uma doença rara, restrita à região de Lassance, e não um flagelo nacional. Segundo eles, a visão de ‘Brasil doente’ – disseminada por Chagas e pelos partidários do movimento pelo saneamento rural – era exagerada e pessimista, trazia descrédito sobre o país e afugentava imigrantes e capitais.

Foram questionadas também a patogenicidade do Trypanosoma cruzi e a autoria de sua descoberta, que, segundo alguns, caberia não a Chagas mas a Oswaldo Cruz, por ter sido este o autor das experiências que permitiram identificar que se tratava de um novo parasito. Com grande repercussão na imprensa, a polêmica envolvia questões científicas e políticas, estas referidas ao intenso debate nacionalista da época. Foi nutrida também por rivalidades e disputas pessoais com Chagas, relativas a sua atuação como diretor do Instituto Oswaldo Cruz e do Departamento Nacional de Saúde Pública.

O parecer oficial da Academia Nacional de Medicina reiterou os méritos de Chagas e sua autoria na descoberta do T. cruzi. Contudo, não se posicionou sobre as questões da definição clínica e da extensão geográfica da doença, declarando não possuir condições para tanto. Na conferência com que encerrou a polêmica, em dezembro de 1923, o cientista defendeu suas convicções e rebateu com veemência os que acusavam de antipatriótica sua visão do país.

A polêmica gerou um ambiente de dúvidas em torno da doença. Apesar disso, Chagas prosseguiu em suas pesquisas, reforçando o caminho que já privilegiava desde 1916, relacionado ao estudo da forma cardíaca. Tais dúvidas seriam superadas ao longo das duas décadas que se seguiram à sua morte, ocorrida em 1934. Estudos realizados por médicos argentinos e por discípulos de Chagas em Manguinhos – entre os quais seu filho, Evandro Chagas (1905-1940), e seu afilhado, Emmanuel Dias (1908-1962) – levariam ao consenso sobre a enfermidade como problema médico específico e socialmente relevante no Brasil e no continente americano.

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Expedição à Amazônia

Desde os primeiros anos do Instituto de Manguinhos, seus pesquisadores eram requisitados a empreender viagens científicas a diversas localidades do território brasileiro, com o objetivo de realizar estudos e atividades que auxiliassem órgãos públicos e privados envolvidos com a modernização do país. As campanhas que Carlos Chagas empreendeu contra a malária em Itatinga, São Paulo, em Xerém, Rio de Janeiro, e no norte de Minas Gerais foram um exemplo desse movimento pelo qual a ciência afirmava seu papel de importante instrumento de progresso e de construção da nação.

Em agosto de 1912, em função da crise do extrativismo da borracha amazônica, o governo federal firmou contrato com o Instituto Oswaldo Cruz para o estudo das condições de salubridade do vale do rio Amazonas, tendo em vista a elaboração de um plano que permitisse a exploração racional de seus recursos. Entre outubro daquele ano e março de 1913, Chagas percorreu os rios Solimões, Purus e Negro e seus principais afluentes, acompanhado de Antonio Pacheco Leão, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, João Pedroso, da Diretoria-Geral de Saúde Pública, e um fotógrafo.

A comissão visitou seringais e povoados ribeirinhos, examinando as condições de vida da população e analisando fatores como abastecimento de água, esgoto, moradia, alimentação, trabalho e assistência médica. Além disso, realizou observações clínicas sobre diversas doenças, sobretudo a malária, que atingia a maior parte dos habitantes. Levantou também informações sobre as principais epidemias ocorridas na região, registrou as práticas medicinais locais, capturou insetos suspeitos de transmitirem doenças e colheu plantas de possível valor medicinal. No laboratório improvisado a bordo da pequena embarcação que lhe servia de transporte, Chagas examinou animais em busca de parasitos e observou ao microscópio amostras e materiais colhidos entre a população.

Em outubro de 1913, Chagas expôs os resultados da expedição na Conferência Nacional da Borracha, no Senado Federal, no Rio de Janeiro. Sua conferência, bem como o relatório apresentado por Oswaldo Cruz ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, ofereceu um amplo inventário da situação de abandono médico e social em que viviam as populações da Amazônia e enfatizou a necessidade de medidas sanitárias para viabilizar o desenvolvimento econômico da região.

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Na direção de Manguinhos

Em 14 de fevereiro de 1917, três dias após a morte de Oswaldo Cruz, Chagas foi nomeado, pelo presidente da República Wenceslau Braz (1868-1966), diretor do Instituto de Manguinhos, cargo que ocuparia até o fim de sua vida. Seguindo o modelo implantado por Cruz, inspirado no Instituto Pasteur de Paris, as atividades de pesquisa, ensino e produção continuaram em estreita vinculação com as demandas da saúde pública.

Chagas ampliou a estrutura laboratorial e o quadro de pesquisadores do instituto, enviando vários deles ao exterior para aperfeiçoamento. A fim de conferir maior formalidade às áreas de trabalho, estabeleceu seções científicas: Bacteriologia e Imunidade, Zoologia Médica, Micologia e Fitopatologia, Anatomia Patológica, Hospitais, Química Aplicada. Em 1918, inaugurou o Hospital Oswaldo Cruz, destinado à internação de portadores de doenças infecciosas (entre elas a tripanossomíase americana) e a pesquisas clínicas.

No campo do ensino, Chagas ampliou o Curso de Aplicação de Manguinhos, oferecido desde 1908 para a formação de pesquisadores em microbiologia e zoologia médica.

Na área de produção, diversificou a pauta de medicamentos e produtos biológicos fabricados em Manguinhos, entre eles alguns desenvolvidos pelos próprios pesquisadores. Estimulou a comercialização desses produtos, ampliando assim a renda própria que, desde o período de Oswaldo Cruz, era fundamental ao funcionamento do instituto. Dentre tais produtos, destacava-se a vacina desenvolvida por Alcides Godoy (1880-1950) para combater o carbúnculo sintomático ou “peste da manqueira”, que atacava o rebanho bovino. Uma medida fundamental para a expansão da área de produção foi a organização, em 1918, do Serviço de Medicamentos Oficiais, criado pelo governo federal com o objetivo de produzir e fornecer, gratuitamente ou a preços subsidiados, a quinina (profilático e terapêutico para a malária) e outros medicamentos. A partir de 1920, o instituto assumiu também a responsabilidade pelo controle da qualidade dos imunobiológicos fabricados ou importados pelos laboratórios nacionais.

Chagas recebeu em Manguinhos, durante sua gestão, inúmeras personalidades do mundo científico e político do Brasil e do exterior. Estabeleceu importante rede de relações com pesquisadores e instituições científicas de vários países, promovendo intercâmbios e cooperações. Em 1923, por exemplo, promoveu a criação do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura e a fundação da Sociedade de Biologia do Rio de Janeiro, filiada à Sociedade de Biologia de Paris.

Apesar do prestígio como ‘herdeiro’ de Oswaldo Cruz, Chagas foi alvo de muitas críticas, resultantes, sobretudo, da crise vivida pelo instituto ao longo da conturbada década de 1920, no cenário de turbulências por que passava a sociedade brasileira. O estrangulamento financeiro – provocado pela concorrência com outros produtores de imunobiológicos, a insuficiência das dotações orçamentárias do instituto e a inflação, intensificada com a Primeira Guerra Mundial – levou ao desgaste de sua infraestrutura e ao declínio dos vencimentos de seus funcionários. Ainda assim, Chagas conseguiu manter alguns dispositivos fundamentais do modelo firmado por Oswaldo Cruz, como a autonomia financeira face ao orçamento federal, propiciada pela venda de produtos fabricados na instituição.

Seu falecimento, em 1934, deu-se no mesmo ano em que tinha início a gestão de Gustavo Capanema (1900-1985) no Ministério da Educação e Saúde (criado em 1930), que iria promover mudanças substantivas na administração do instituto e em seus vínculos com a saúde pública. O sucessor de Chagas na direção de Manguinhos foi Antonio Cardoso Fontes (1879-1943), que havia sido seu colega na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

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Na saúde pública

Carlos Chagas teve atuação de destaque nos debates e nas ações sobre a saúde pública brasileira nas primeiras décadas do século XX.

Desde a descoberta da doença que leva seu nome, alertava sobre a importância das endemias rurais e a necessidade de combatê-las. Esta seria a bandeira principal do chamado movimento sanitarista que, entre 1916 e 1920, colocou no debate nacional o tema da saúde como elemento-chave para que o Brasil se tornasse efetivamente uma nação.

Em 1916, em discurso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o médico e professor dessa escola Miguel Pereira denunciou as más condições de vida e de saúde no interior do país, assolado por endemias como a malária, a ancilostomíase e a doença de Chagas. Numa época de grande fervor nacionalista, declarou, em frase que se tornaria célebre e polêmica: “O Brasil é um imenso hospital”. Suas palavras tiveram grande repercussão no debate político e intelectual sobre o país. Tal diagnóstico atualizava a denúncia de Euclides da Cunha (1866-1909) quanto ao isolamento e ao abandono dos sertões brasileiros.

O movimento sanitarista defendia a idéia de que o ‘atraso’ do Brasil não era resultado do clima tropical ou da composição racial de sua população, mas das doenças que afetavam as áreas rurais e da falta de ação do Estado diante dessa realidade. A campanha reivindicava que o governo federal aumentasse sua intervenção no campo da saúde pública e formalizou-se na Liga Pró-Saneamento do Brasil (1918-1920), criada e dirigida por Belisário Penna. Dela fizeram parte Chagas e muitos outros médicos, cientistas, intelectuais e políticos.

A denúncia do despreparo dos poderes públicos para enfrentar os problemas de saúde do país intensificou-se nos últimos meses de 1918, quando chegou ao Brasil a devastadora pandemia de gripe espanhola. Para enfrentar a influenza no Rio de Janeiro, Chagas assumiu, a convite do presidente da República Wenceslau Braz, a responsabilidade de comandar a assistência médica à população. Providenciou a imediata instalação de hospitais emergenciais e postos de consulta em diferentes pontos da cidade e, por meio da publicação de anúncios nos principais jornais, buscou a colaboração de seus colegas de profissão para o enfrentamento da epidemia.

Ao tomar posse na presidência da República, Epitácio Pessoa (1865-1942) declarou que a reorganização dos serviços sanitários do país era uma prioridade nacional. Para comandá-la, nomeou Chagas, em outubro de 1919, para a Diretoria-Geral de Saúde Pública, que, em janeiro do ano seguinte, após intenso debate no Congresso Nacional, foi transformada em Departamento Nacional de Saúde Pública. Chagas assumiu sua direção, acumulando o cargo com suas funções à frente de Manguinhos.

O novo órgão fortaleceu a capacidade de intervenção e regulação do governo central na saúde pública. Chagas foi autor de um extenso Código Sanitário que modernizou a legislação sanitária brasileira. As ações de saúde, até então concentradas nas áreas urbanas, foram estendidas ao interior do país, sobretudo com a criação de postos de combate às endemias rurais. Para isso, foi decisiva a colaboração da Fundação Rockefeller, que atuava no país desde 1916 na profilaxia da ancilostomíase e da febre amarela. Os cuidados com a maternidade e a infância, a assistência hospitalar e o combate à tuberculose, sífilis e lepra foram também contemplados com serviços especializados.

Outra preocupação importante de Chagas à frente da saúde pública federal foi com a formação de profissionais especialmente destinados a essa área. Em 1922, com o apoio da Fundação Rockefeller, criou o Serviço de Enfermeiras, dirigido pela enfermeira norte-americana Ethel Parsons, a partir do qual fundou-se a Escola de Enfermagem Anna Nery. Ali seriam treinadas enfermeiras para atuar tanto no sistema hospitalar quanto no serviço de “enfermeiras visitadoras”, visando a atender e orientar as famílias nos domicílios. Em 1926, organizou o Curso Especial de Higiene e Saúde Pública na Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro. Ministrado por pesquisadores de Manguinhos e sob a orientação de seu diretor, o curso garantia o acesso direto aos cargos da administração sanitária federal. Primeiro do gênero no país, foi um marco na institucionalização da carreira de sanitarista no Brasil.

Chagas deixou a direção do Departamento Nacional de Saúde Pública em 1926, ao final da conturbada presidência de Arthur Bernardes (1875-1955). O término de sua gestão foi marcado por fortes críticas: foi atacado na imprensa devido a um surto de varíola na capital e ao risco de uma epidemia de febre amarela. Seu sucessor no cargo foi Clementino Fraga (1880-1971).

No campo da saúde internacional, teve destacada atuação como representante brasileiro no Comitê de Saúde da Liga das Nações, a partir de 1922. No âmbito dessa associação, idealizou e dirigiu o Centro Internacional de Leprologia, inaugurado em 1934, com sede no Instituto de Manguinhos.

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No ensino médico

A atuação de Carlos Chagas como professor teve início no Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz, onde desde princípios da década de 1910 dava aulas de protozoologia.

Em 1925, ele foi nomeado primeiro titular da cátedra de medicina tropical da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, disciplina criada como parte da reforma do ensino superior implementada na ocasião. O curso era regido pela direção de Manguinhos, que decidia sobre a nomeação de professores, questões regimentais e conteúdos das aulas. Para abrigar a cátedra, foi construído, aos fundos do Hospital São Francisco de Assis, o Pavilhão de Doenças Tropicais (atual Pavilhão Carlos Chagas).

De acordo com Carlos Chagas Filho (1910-2000), as aulas de seu pai conjugavam a explanação teórica e a observação clínica de doentes, e eram subsidiadas por farto material expositivo trazido de Manguinhos. Ao seu término, os alunos percorriam as enfermarias, em companhia do professor, para aprofundar o aprendizado.

Chagas atuou no ensino médico também como membro eleito do Conselho Técnico-Científico da Faculdade. Em 1931, quando o ministro da Educação e Saúde Francisco Campos (1891-1968) deu início à reforma universitária que levaria, em 1935, à criação da Universidade do Brasil, ele formulou um projeto destinado a remodelar o ensino médico.

Chagas procurava mobilizar as futuras gerações para as bandeiras que defendia como cientista. Preconizava que o ensino médico deveria estar estreitamente associado à pesquisa científica. “Ensinar pesquisando e pesquisar ensinando”, enfatizava em suas aulas. Além disso, afirmava que os estudantes deveriam preparar-se para lidar não apenas com as doenças mais comuns nos consultórios das grandes cidades, mas também com “o mais relevante de nossos problemas médico-sociais”: as enfermidades do interior.

Em sua aula inaugural de medicina tropical, em setembro de 1926, justificou a criação da especialidade – à qual se haviam oposto muitos médicos desde o início do século XX – não apenas pela necessidade de se acompanhar os avanços nesse campo no cenário internacional. Tratava-se, sobretudo, de uma disciplina voltada para o estudo das “doenças do Brasil”.

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Vida pessoal e familiar

Carlos Chagas passou sua infância e adolescência dividido entre as fazendas de sua família em Oliveira e Juiz de Fora e as cidades onde realizou os seus estudos – Itu, São João del-Rei e Ouro Preto. Órfão de pai aos 4 anos, sua vida nesse período foi fortemente influenciada pela presença dos tios maternos e pela figura de sua mãe, Mariana Candida Ribeiro de Castro.

Em 1897, desembarcou no Rio de Janeiro para dar início ao curso na Faculdade de Medicina. Inicialmente foi morar em uma pensão na Tijuca, nas proximidades da casa de um primo, Augusto das Chagas, deputado federal por Minas Gerais. Dedicava praticamente todo o tempo aos estudos e ao trabalho com os professores nas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia. Pouco saía de casa e mal conhecia os pontos turísticos da cidade. Essa rotina começaria, entretanto, a mudar no dia em que, levado por Miguel Couto a uma festa na casa do senador mineiro Fernando Lobo, veio a conhecer aquela que seria sua futura esposa.

Iris Lobo, a mais velha entre muitos filhos, causou forte impressão no jovem estudante. Segundo relato do próprio Carlos Chagas, foi paixão à primeira vista. Os dois vieram a se casar no dia 23 de julho de 1904 e foram morar em uma pequena casa alugada na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo. Aí nasceu Evandro Chagas, em 10 de agosto de 1905. Pouco tempo depois, a família mudou-se para uma residência mais ampla na avenida Izabel de Pinho, também em Botafogo. Nessa casa nasceu Carlos Chagas Filho, aos 12 de setembro de 1910. Maurício, o terceiro filho do casal, nascido em Juiz de Fora, morreria precocemente com apenas 1 mês de vida.

Da rua Isabel de Pinho, Chagas transferiu-se para a rua Soares Cabral, em Laranjeiras, onde permaneceu por menos de um ano e meio. Foi então que adquiriu, em 1911, uma casa na rua Paissandu, bairro do Flamengo, onde viveria até a sua morte. Os tempos ali passados marcaram profundamente sua vida e a de toda a família.

Carlos Chagas gostava muito de música e promovia quase sempre animados saraus em sua casa. Era frequentador assíduo do Teatro Municipal, aonde ia assistir às óperas de sua predileção. Afora isso, não teve uma vida social muito intensa. Gostava de vestir-se elegantemente e tinha paixão pela caça, hábito provavelmente adquirido em Lassance. Interessava-se pelos debates ideológicos de seu tempo, mas nunca pretendeu ingressar na política. Manteve vivo, por certo, o gosto pela literatura e pelo estudo da língua portuguesa.

Chagas faleceu no dia 8 de novembro de 1934, aos 56 anos, vítima de problemas cardíacos. Chegou-se a especular na época que teria sido acometido pela forma cardíaca da tripanossomíase americana, o que não foi comprovado. Segundo Carlos Chagas Filho, o ritmo intenso de trabalho, acrescido do hábito de fumar, poderiam ter contribuído para fragilizar sua saúde. O cientista foi enterrado no Cemitério São João Batista, no Rio Janeiro, em meio a um cortejo que reuniu mais de mil pessoas, entre amigos, admiradores e anônimos.

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Títulos e premiações

Carlos Chagas alcançou grande prestígio durante sua trajetória como cientista e obteve amplo reconhecimento tanto no Brasil como no exterior. Tornou-se membro de algumas das mais importantes associações médico-científicas de sua época e foi agraciado com vários títulos e prêmios, conforme apresentamos a seguir.

1909

  • Membro da Sociedade de Medicina da Bahia
  • Membro da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro

1910

  • Membro honorário da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo
  • Membro titular da Academia Nacional de Medicina
  • Membro correspondente da Sociedade de Patologia Exótica de Paris

1911

  • Membro honorário da Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais

1912

  • Prêmio Schaudinn, conferido pelo Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo
  • Professor honorário da Faculdade de Medicina de São Paulo

1913

  • Indicado ao Prêmio Nobel de Medicina

1916

  • Membro da Sociedade Brasileira de Ciências (Academia Brasileira de Ciências a partir de 1922)
  • Membro honorário da Sociedade Médica Argentina

1917

  • Membro honorário da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Amazonas
  • Sócio honorário da Academia de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires

1919

  • Membro da Sociedade Americana de Medicina Tropical

1920

  • Membro do Conselho Médico da Liga das Sociedades da Cruz Vermelha
  • Cavaleiro da Ordem da Coroa da Itália

1921

  • Indicado pela segunda vez ao Prêmio Nobel de Medicina
  • Primeiro brasileiro a receber o título de doutor honoris causa da Universidade de Harvard
  • Membro honorário do Clube dos Médicos de Chicago

1922

  • Membro correspondente da Academia Nacional de Medicina do Peru
  • Membro associado da Sociedade Real de Ciências Médicas e Naturais de Bruxelas
  • Doutor honoris causa da Universidade Nacional de Buenos Aires

1923

  • Membro correspondente da Academia Real de Medicina da Bélgica
  • Membro correspondente da Sociedade de Medicina de Montevidéu
  • Comendador da Ordem da Coroa da Bélgica
  • Primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Higiene
  • Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra da França
  • Lecturer de medicina tropical da Escola Médica de Harvard
  • Prêmio hors-concours em congresso comemorativo do centenário de nascimento de Louis Pasteur, em Estrasburgo, França

1924

  • Professor honorário da Faculdade de Medicina da Bahia
  • Membro da Societas ad Artes Medicas in India Orientali Neerlandica
  • Membro correspondente da Academia Médica de Roma

1925

  • Membro correspondente da Real Academia Nacional de Medicina da Espanha
  • Comendador da Ordem Civil de Alfonso XII, rei de Espanha
  • Prêmio Kümmel, conferido pela Faculdade de Medicina da Universidade de Hamburgo

1926

  • Doutor honoris causa da Universidade de Paris
  • Sócio correspondente da Sociedade Médico-Cirúrgica de Guayas, Equador
  • Comendador da Ordem de Isabel, a Católica, Espanha
  • Membro da Academia Imperial Alemã de Pesquisas Naturais de Halle
  • Membro honorário da Academia de Medicina de Nova York

1928

  • Membro da Sociedade Real de Medicina Tropical e Higiene de Londres

1929

  • Doutor honoris causa da Faculdade de Medicina de Lima
  • Cavaleiro da Ordem da Coroa da Romênia
  • Membro honorário da Faculdade de Ciências da Universidade Nacional de Santo Agostinho de Arequipa, Peru

1930

  • Membro da Sociedade de Biologia de Buenos Aires

1931

  • Membro correspondente da Academia de Medicina de Paris

1932

  • Membro da Associação Médica Pan-Americana
  • Membro da Associação Internacional da Lepra
  • Comenda da Cruz Vermelha da Alemanha

1934

  • Doutor honoris causa da Universidade Livre de Bruxelas
  • Professor honorário da Escola de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora

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